quarta-feira, 25 de maio de 2011

Apreensões de mercadorias pela Receita Federal (parte II)

Na coluna anterior, iniciamos o tema da atividade de apreensão de mercadorias pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. Tratamos das limitações administrativas à autonomia privada, mais conhecidas como "poder de polícia". Uma vez reconhecido que há limitações ao exercício das atividades dos particulares, notadamente, no que aqui mais interessa, atividades das empresas que exercem atividade mercantil ligada ao comércio internacional, e que tais particulares estão sujeitos à fiscalização e controle pelo poder público, especialmente, no que concerne ao objeto do presente texto, fiscalização e controle pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, indagamos: quais são os limites da Receita Federal para proceder à apreensão de bens particulares? É disso que trataremos no presente escrito.

A apreensão de mercadorias é medida preventiva ou acautelatória; não é sanção (pena, punição). Com a apreensão, busca-se evitar a propagação na ordem jurídica dos efeitos de um provável ilícito.

Além dessa, outra premissa deve ser vincada, qual seja a de que, enquanto medida de polícia, a apreensão de bens pela Receita Federal é autoexecutória, isto é, é executada pela Administração por si mesma, sem necessidade de submeter o constrangimento da propriedade particular à apreciação pelo Poder Judiciário. A decisão de apreensão e a coerção fática de apreensão propriamente dita aplicam-se diretamente pela autoridade administrativa, em decorrência da competência que exerce.

De acordo com o parágrafo único do artigo 78 do Código Tributário Nacional, considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

Em vista do critério jurídico-positivo do referido dispositivo do código tributário, um primeiro aspecto relacionado à limitação da atividade de apreensão de bens pela Receita Federal diz respeito à competência.

Cabe aqui falar de (a) competências federativas e (b) competências funcionais.

No âmbito da competência entre os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), a regra geral é a de que é competente para certa medida de polícia administrativa o ente federativo a quem compete legislar sobre a matéria. No que pertine ao controle de entrada e saída de bens do território nacional, assim como o combate ao contrabando e ao descaminho a competência é da União. Mas nem sempre a identificação da competência federativa para certo ato é simples. Há sistemas nacionais que congregam órgãos federais, estaduais e municipais, como, por exemplo, o que diz respeito ao poder de polícia de defesa do meio ambiente. Eventualmente, um bem pode ser apreendido no exercício do poder de polícia de defesa do meio ambiente e a determinação da esfera federativa competente dependerá dos elementos do caso concreto.

Quando tratamos de competências funcionais estamos a falar, grosso modo, da competência atribuída aos órgãos públicos para o desempenho de suas funções. A competência do poder de polícia pode ser fracionada e distribuída entre órgãos diversos, criando uma teia complexa de relações. Assim, a determinação da competência funcional para certo ato - e mais especificamente para um ato de apreensão de bem - depende do caso concreto a ser analisado.

De modo sintético, para que o ato de apreensão de bens seja válido sob o ponto de vista da competência ou sujeito é necessário que: 1. esteja presente a capacidade da pessoa jurídica que o praticou; 2. o ato esteja dentre as atribuições do órgão que o praticou; 3. seja competente o agente que o emanou; 4. não exista óbice à atuação do agente no momento em que o ato foi praticado.

Pois bem.

As competências do poder de polícia envolvem tanto disciplina discricionária, quanto vinculada.

Chama-se vinculada a competência da Administração estritamente determinada na lei, quanto aos motivos e ao modo de agir. A lei determina que, existentes determinadas circunstâncias, o agente público pratique ou deixe de praticar determinado ato, e, eventualmente, em certo prazo. Pode-se dizer que nessa hipótese prevalece um juízo de legalidade (estrita).

Por outro lado, fala-se em competência discricionária quando a lei atribui à autoridade administrativa o poder-dever de apreciar o motivo do ato administrativo, seja em relação à ocasião para praticá-lo (oportunidade), seja em relação à sua utilidade (conveniência), assim como o poder-dever de praticar o ato com o objeto (conteúdo) que reputar adequado. Pode-se dizer que prevalece aqui um juízo de oportunidade.

Importante ressaltar que no Estado de Direito não há discricionariedade fora da legalidade. A discricionariedade é admitida apenas e tão somente quando atribuída pela Lei à autoridade administrativa.
Sob o influxo da funcionalização do Direito e da teoria dos direitos fundamentais, quando falamos em legalidade, podemos nos referir à legalidade estrita e à legalidade em sentido amplo, também chamada de juridicidade.

A vinculação dos atos administrativos não se faz com relação exclusivamente à lei, mas principalmente à Constituição. A reserva vertical de lei cede lugar à reserva vertical da Constituição.

A ideia de juridicidade, elaborada a partir da teoria da supremacia da Constituição, abrange o campo da legalidade administrativa. Com isso, a atividade administrativa continua a se realizar, via de regra, (i) segundo a lei, quando esta for constitucional (atividade secundum legem), (ii) mas pode encontrar fundamento direto na Constituição, independentemente ou para além da lei (atividade praeter legem).

É importante não perder de vista que, ao se reconhecer a vinculação da Administração à juridicidade, não se afasta a legalidade estrita. Continua havendo matérias em que prevalece a legalidade estrita.

Nesse sentido, há legalidade estrita quando se trata de impor restrições aos direitos individuais e coletivos e em relação àquelas matérias que constituem reserva de lei, por força de exigência constitucional, dentre as quais, por exemplo, a definição de ilícitos e de penas, e a criação de tributos.

As atividades de apreensão de bens, ainda que, a priori, sejam medidas preventivas e não sanções, caracterizam uma restrição de direito do titular dos bens apreendidos. Por consequência, sujeitam-se ao regime da legalidade estrita. Ou seja, não pode haver apreensão de bens pela Secretaria da Receita Federal se não existir lei ordinária atribuindo esse poder (competência) e essa medida para uma dada situação de fato.

No ato de apreensão de bens deve-se analisar, também, a finalidade, ou seja, o resultado ou o interesse que se busca satisfazer com o ato constritivo.

A finalidade do ato de apreensão de bens pela Receita Federal consiste, genericamente, em evitar a propagação na ordem jurídica dos efeitos de um provável ilícito.

Os efeitos práticos dessa premissa teórica são importantes e serão explorados em nossa coluna da próxima semana.

Fonte: Aduaneiras

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Freitas Inteligência Aduaneira