terça-feira, 1 de março de 2011

Países estão instrumentalizando a sua política cambial como incentivo às exportações

Os artifícios utilizados pelos países para favorecer exportações e proteger sua indústria têm provocado reações e constituem tema recorrente em reuniões internacionais. Para o doutor em Economia, professor da PUC-SP e um dos fundadores da Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização), Antonio Corrêa de Lacerda, o novo quadro representa para a economia brasileira, ao mesmo tempo, desafios e oportunidades.

Em entrevista ao Sem Fronteiras, Lacerda, que é membro do Conselho Superior de Economia da Fiesp, do Conselho Temático de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e diretor do Centro Internacional Celso Furtado de Desenvolvimento, além de autor de vários artigos e livros, ressaltou que a relevância do problema cambial brasileiro e seus impactos negativos sobre a estrutura produtiva e no balanço de pagamentos estão na ordem do dia.

Sem Fronteiras - Quais os principais problemas que o mundo vivencia em relação ao câmbio?
Antonio Corrêa de Lacerda - A guerra cambial é um dos principais pontos de discussão na pauta do G-20 e outros fóruns internacionais. O mundo vive um quadro de desordem monetária e cambial, que se agravou depois da crise mais recente, o que tem imposto enormes desafios aos países em desenvolvimento. A decisão do FED (Federal Reserve) no final do ano passado de injetar US$ 600 bilhões no mercado, mantendo baixas taxas de juros, deve estimular as operações carry trade, a arbitragem entre taxas de câmbio e de juros, deslocando-as para países em desenvolvimento, especialmente aqueles que praticam taxas de juros superiores à média dos países centrais. Do outro lado, a China mantém há décadas uma política de câmbio desvalorizado como fator crucial de competitividade. Mas, a guerra cambial não é um movimento que se restringe aos dois países citados. Há muitos outros se aproveitando do momento para se fortalecer. Cada vez mais países estão instrumentalizando a sua política cambial como incentivo às suas exportações e de proteção à produção doméstica como antídoto para os efeitos da crise, visando principalmente a retomada da atividade, assim como preservar emprego e renda. Da mesma forma, EUA, Europa e Japão reduziram as suas taxas nominais de juros a quase zero, o que na prática significa juro real negativo, com o mesmo objetivo.

No caso brasileiro, o que diferencia?
Para a economia brasileira, especialmente, o novo quadro representa, ao mesmo tempo, desafios e oportunidades. A relevância do problema cambial brasileiro e seus impactos negativos sobre a estrutura produtiva e no balanço de pagamentos estão na ordem do dia. A discussão cambial até então restrita aos fóruns econômicos ou de demandas empresariais, muitas vezes tidas como "corporativas", ganha relevância e amplitude, inclusive no discurso e nas decisões do governo.

Quais seriam as saídas para mudar o cenário atual?
O desafio é ir além do simplismo do "câmbio flutuante que flutua" e da definição das taxas de juros unicamente baseada no sistema de metas de inflação de curto prazo. Na questão cambial, a mudança não requer, necessariamente, o abandono do regime flutuante - que já se mostrou o mais adequado - mas sim, o seu aperfeiçoamento, levando em conta as circunstâncias impostas pela conjuntura internacional. Seria ingênuo de nossa parte deixá-lo simplesmente oscilar ao sabor dos movimentos dos fluxos de capitais. A recente elevação do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) tem se mostrado uma medida acertada, porém insuficiente, por si só, de fazer frente à magnitude do problema a ser enfrentado. O quadro requer mais ousadia. É essa a circunstância que impõe ao Brasil a necessidade de mudar para manter. Ou seja, é preciso utilizar todos os instrumentos possíveis, de políticas macroeconômicas (fiscal, monetária e cambial), assim como as políticas de competitividade (políticas industrial, comercial e tecnológica/inovacional) para fazer frente à guerra cambial instalada.

Há possibilidade de reversão do comportamento das economias no curto prazo?
No curto prazo, é pouco provável. O mundo vive uma fase de recuperação da crise, muito em função dos aportes realizados por governos e bancos centrais mundo afora. O quadro é diferenciado. Enquanto a Europa tem muitos países em crise, EUA esboça recuperação, assim como o Japão. Mas, o grande fator de crescimento é mesmo o desempenho dos países em desenvolvimento, com destaque para China, Brasil e Índia, que vem crescendo em média três vezes o que cresce os países ricos. No entanto, vale destacar que grande parte dos fatores que geraram a crise de 2008 não foram solucionados, mas amenizados, o que sempre representará um risco de novas crises.

Sobre a desvalorização cambial ser considerada como subsídio, acredita que reclamações nesse aspecto terão sucesso?
Há muitos países que manipulam suas taxas de câmbio para ganhar competitividade, na guerra cambial. Sob o ponto de vista da governança global temos uma contradição. O FMI teria mandato para enfrentar a questão, mas não tem vontade política. Já a OMC, pelo impacto no comércio global, teria maior interesse, mas não dispõe de instrumentos para tal. Ou seja, a não ser que o tema evolua no âmbito do G-20 e outros fóruns, o que parece pouco provável, prevalecerá a inércia. Enquanto isso, deveríamos nos precaver de tomarmos as medidas para defender nossa posição.

Exportadores alegam perder competitividade em função da valorização do real. Por outro lado, a produção ainda depende de financiamento. A atual situação cambial pode interferir?
Os exportadores de commodities, que perfazem grande parte das vendas brasileiras, têm sido beneficiados pelo aumento das cotações internacionais que já superaram o nível pré-crise de 2008. Bom para as receitas de exportação destes países, embora já seja uma preocupação pelo efeito inflacionário. O grande problema está nas exportações de valor agregado, da indústria, por exemplo, que tem perdido competitividade com o câmbio valorizado. Não deveríamos abrir mão de incrementarmos as exportações de industrializados, pois isso nos daria maior autonomia para gerar renda, empregos e garantiria a sustentabilidade intertemporal das nossas contas externas. (Da Redação)

Fonte: Aduaneiras

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