Regras de origem são conhecidas e utilizadas há muito tempo por aqueles que
estudam e operam na área de comércio exterior. Este artigo comentará, em linhas
gerais, a importância das regras de origem não preferenciais e seu início no
Brasil por meio das políticas comerciais que vem sendo implementadas pelo
governo.
Na maioria das vezes, o estudo e a utilização das regras de origem estão
ligados à busca pela redução ou dispensa de pagamento do Imposto de Importação
nas relações comerciais internacionais (importação, exportação ou instalação de
indústrias em determinado país). Porém, esta é apenas uma face das regras de
origem, chamadas de regras "preferenciais" [1]. Existem outras regras de origem, chamadas "não
preferenciais", que também são muito importantes, mas até então menos conhecidas
e utilizadas no Brasil. As regras não preferenciais determinam critérios para
definir a origem de um produto que terá tratamento diferenciado em questões
comerciais, administrativas e regulamentações internas de um país, como a
aplicação de medidas antidumping, salvaguardas e direitos compensatórios,
investigações de origem, marcações de origem, controle de normas técnicas,
sanitárias e fitossanitárias, quotas, compras governamentais, entre outras.[2]
Até a publicação da Resolução CAMEX 80/2010, em 09 de novembro de 2010,
não havia norma sobre regras de origem não preferenciais no Brasil, sendo
utilizados apenas requisitos de índice mínimo de nacionalização específicos para
produtos a serem beneficiados por programas nacionais, como, por exemplo, as
linhas de financiamento do BNDES para máquinas e equipamentos [3]. A partir da Resolução CAMEX 80/2010, regulamentada
pela Portaria SECEX 39/2011, em 11 de novembro de 2011, o Brasil deu início ao
importante instrumento para a consecução de políticas comerciais nacionais:
regras de origem não preferenciais. Em seguida, dia 18 de novembro de 2011,
houve a publicação da Portaria 219/2011 [4],
que dispõe sobre o regime de origem para compras governamentais.
O principal fator motivador para a regulamentação de regras de origem não
preferenciais foi a implementação do "Plano Brasil Maior"(Plano). O Plano é uma
política nacional que visa, entre outras finalidades, a defesa da indústria
nacional e do mercado interno, bem como a defesa comercial do Brasil. Para
tanto, foram tomadas medidas de incentivo à agregação de valor local e ao
aumento da produção, as quais são fundadas no tratamento diferenciado aos
produtos nacionais. Ou seja, a identificação do que é um produto brasileiro se
faz necessária para a aplicação destas medidas do governo de estímulo à
indústria nacional. Da mesma forma, a identificação do país de origem das
mercadorias estrangeiras importadas pelo Brasil é necessária quando se trata de
defesa comercial, por exemplo, para o controle e fiscalização de mercadorias
sujeitas a medidas antidumping, salvaguarda e direitos compensatórios. Daí a
formulação e intensificação do uso de regras de origem não preferenciais no
Brasil em sinergia com o Plano Brasil Maior. Sem regras de origem bem definidas,
não há como criar políticas comerciais efetivas que realmente beneficiem
produtos genuinamente brasileiros ou que defendam o mercado interno de práticas
comerciais desleais.
Neste contexto, a Resolução CAMEX 80/2010, conforme sua ementa, "dispõe
sobre a aplicação das regras de origem não preferenciais, de que tratam o art.
9° do Decreto n° 37, de 18 de novembro de 1966, e o Acordo sobre Regras de
Origem da OMC." [5] O texto fixa critérios e
parâmetros para definir o país de origem de uma mercadoria, os quais podem ser:
(1) o país onde a mercadoria foi produzida (totalmente obtida ou elaborada
integralmente em um país, utilizando materiais exclusivamente dele originários);
ou (2) o país onde a mercadoria sofreu transformação substancial (mudança de
posição tarifária na classificação do Sistema Harmonizado).
Em complemento à Resolução CAMEX, a Portaria SECEX 39/2011 dispõe sobre
"procedimento especial de verificação de origem não preferencial para fins de
aplicação do disposto no art. 3º da Resolução CAMEX nº 80, de 9 de novembro de
2010", regulamentando o procedimento de investigação de origem, para que haja o
controle e fiscalização das mercadorias importadas. Estas normas são essenciais
para evitar fraudes de origem por operadores econômicos que exportam para o
Brasil ou que importam no Brasil mercadorias que não preenchem os requisitos de
origem. Pode haver casos de falsa origem declarada na licença de importação,
como em casos de "triangulação", na tentativa de desviar a mercadoria da
aplicação de medidas de defesa comercial ou de fiscalizações relacionadas à sua
origem, por exemplo, quotas e restrições sanitárias ou fitossanitárias.
Além destas, outras regras de origem foram estipuladas pela Portaria
219/2011, recentemente promulgada pelo Ministro do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior, Sr. Fernando Pimentel. A Portaria 219/2011 dispõe sobre o
regime de origem para compras governamentais, fixando critérios de origem para
definir quando um produto será considerado nacional (originário do Brasil). A
definição da origem servirá para efeitos da aplicação da margem de preferência
de 25% aos produtos nacionais sobre os produtos importados nos procedimentos de
compras governamentais, conforme o disposto no Decreto 7.546, de 2 de agosto de
2011 [6]. Além dos critérios de origem, a
Portaria determina a obrigação da apresentação de Declaração de Origem dos
produtos e cita a possibilidade de verificação e comprovação da origem dos
produtos por parte das autoridades.
Vale ressaltar que a Portaria SECEX 39/2011 e a Portaria 219/2011 não
foram aplicadas em um caso concreto até a data de publicação deste artigo.
Portanto, resta aos operadores econômicos e produtores nacionais ficarem atentos
às possibilidades de aplicação destas normas ao seu próprio negócio e se
planejarem para fazer adequado uso delas em seu benefício.
Considerando o exposto, é certo que as regras de origem são importante
instrumento para a execução de políticas comerciais a serviço do interesse
nacional. Contudo, sua utilização deve respeitar as diretrizes do Acordo sobre
Regras de Origem, da OMC, primando pela harmonização, transparência e
previsibilidade. Ademais, a complexidade e a finalidade dos regimes de origem
não podem ser subestimadas, nem sua importância ser limitada aos interesses
individuais de determinadas indústrias. A regulamentação de regimes de origem
não preferenciais deve atender ao desenvolvimento econômico do Brasil como um
todo, sem perder de vista o papel fundamental da concorrência de mercado e de
medidas complementares para estimular a competitividade, inovação e o
investimento em pesquisa e desenvolvimento para produtos nacionais.
Fonte: Lira e Associados ( Natália Ruschel)
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